sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O Radar

Aqui me confesso. A Princesa gosta de ouvir conversas. Sempre que estou num espaço público, esplanada, praia... não há melhor passatempo que ouvir as conversas dos outros. Não é bonito? Pois não. Mas é o meu momento zen. Mindfullness para mim é quando estou a ouvir as conversas dos outros.

Não é de estranhar que a vida no reino de Macau tenha sido difícil, quando na grande maioria das vezes, não percebo o que estão a dizer à minha volta.

Demorei algum tempo a adaptar-me, e a conseguir não ficar nervosa com o desconhecido, com o ruído de fundo composto de sons estranhos, numa língua que não faz qualquer sentido para mim.

Neste momento já tenho a capacidade de ultrapassar os ruídos estranhos. Mas desenvolvi uma capacidade estranha de alerta quando alguém diz uma palavra que eu entendo. Ao ponto de ter medo que, quando regressar ao reino de Portugal, o meu cérebro faça curto-circuito com overload de informação.

Em Macau identifico um português à distância. À primeira palavra, geralmente de queixume (sim, os portugueses pelo mundo estão sempre a reclamar), já estou alerta. Ingleses, Americanos, até Australianos e Irlandeses eu consigo entender. E no open space de trabalho, à mínima amostra de inglês... estou alerta.

Então é sempre com grande surpresa que oiço todos os meus colegas a dizer asneiras em inglês. Mas só as asneiras! Para falar comigo precisam de tradução simultânea, ou ficam num estado de nervos tal que começam a suar profusamente. De tal forma que é visível! Mas é ver um copo de água a cair ao chão e é vê-los a vociferar Fuck! e Shit! como se dominassem a língua.



quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Velho amigo!


A Princesa tem uma nova colega de trabalho. Doze anos mais nova! DOZE ANOS!
Mas quem nos vir lado a lado, não fosse a altivez da Princesa, ninguém diria que temos mais de uma década a separar-nos.

Com o acumular de anos passados no reino de Macau, posso dizer que a cultura chinesa já não me é completamente estranha, já tenho amigas de outras nacionalidades, e já me consigo relacionar com outras pessoas chinesas sem grandes percalços. E como falo pelos cotovelos, conversamos muito e dou-me bem com a coleguinha.

Mas há coisas que são iguais, e que nos separam em todas as culturas. E uma delas é a idade.

E hoje a ficha caiu-me em cima, qual piano de corda.

Comentava de forma descontraída que o Bryan Adam vem cantar a Hong Kong, no reino aqui ao lado.

(Princesa) - Nem acredito que o Bryan Adams vem à Asia. Mas acho os bilhetes um bocado caros.

(Coleguinha, com ar perdido) - O que vai acontecer em Hong Kong?

(Princesa, afina a pronúncia) - Bryan Adams. Ele vem a Hong Kong.

(Coleguinha, ainda incrédula) - O que é isso?

(Princesa, descrente da sua pronúncia) - Bryan Adams. O cantor.


E atiro-lhe logo com o modo Wikipedia para lhe dar mais detalhes do senhor cantor. Para me aperceber que os grandes êxitos dele aconteceram qdo ela ainda nem era nascida. Em compensação, por essa altura, a Princesa já cantava "Summer of 69" e "Everything I do" em qualquer oportunidade.

Posso dizer que todas as minhas rugas de expressão ficaram em choque com a revelação. Sinto-as agora mesmo a querer aparecer.

Pior ainda, porque a desgraçada não parava de dizer "Desculpa! Peço imensa desculpa. Não te estava a chamar velha."

Pois não.. Não estava.

Mas vou já para casa fazer uma máscara hidratante, anti idade, rejuvenescedora.. enquanto oiço os êxitos do velho amigo Bryan Adams.





segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Estranha-se e Entranha-se

Sempre que a Princesa ouve comentários de pessoas que se referem às saudades de Macau como "Saudades dos cheiros de Macau", é atingida por uma colossal onda de assombro. Porque sempre que alguém se refere aos cheiros de Macau, a primeira memória é sempre a do Durian.

Durian é uma fruta muito comum no Sudeste Asiático, com origem na Malásia e na Indonésia. É muito grande, com uma "carapaça" de espinhos muito duros e uma polpa com gomos grandes moles e amarelos. É preciso um profissional para conseguir extrair a polpa.

Aqui em Macau também é muito popular. Vende-se fresco no supermercado, desidratado, em snacks, em sumos, gelados e um sem fim de outro produtos.

Mas esta fruta tem o pior cheiro de todas as frutas do mundo! É como se juntassem carne podre, alho cru e se calhar um equipamento de ginástica usado que ficou a apurar o cheiro sem lavar por umas semanas.

É um cheiro difícil de descrever e impossível de esquecer. Entranha-se na pele e na roupa e não há ambientador ou perfume que nos valha. Os amantes desta fruta chegam a comer de luvas, tal é a dificuldade em eliminar o cheiro da pele. E há vários locais públicos onde é proibido comer a famigerada fruta.

E quando se prova (sim, a Princesa fez pelo menos uma tentativa), a reacção do corpo é imediata: Vómito! O corpo não está preparado para saborear uma coisa que cheira tão mal. São demasiados estímulos sensoriais para conseguir gerir.

O Fiel Escudeiro está proibido de comer isto, trazer isto para casa, estar perto de quem coma isto, passar sequer perto das bancas de fruta que vendem isto. O nariz de perdigueiro da Princesa identifica qualquer derivado de Durian a quilómetros!

E ao longo destes últimos anos a Princesa tem conseguido estar longe deste demónio.

Até hoje!

Depois do almoço no escritório, alguém trouxe como sobremesa uma caixa de Durian fresco. O cheiro identificou-se imediatamente.. começou por ser apenas o leve aroma, mas começou a ficar cada vez mais intenso até ser insuportável.

Se calhar por causa da minha reacção bruta e agressiva, se calhar um bocadinho louca, de ter dito bem alto "QUEM OUSA COMER DURIAN NO OPEN SPACE?!" "QUEM OUSA CONSPURCAR O AR QUE EU RESPIRO?!" os meus colegas, vulgares plebeus, sorveram rapidamente o conteúdo da caixa, recusando-se a confessar quem cometeu tal sacrilégio.

Passadas várias horas ainda se sente o cheiro putrefacto no ar.

Por via das dúvidas, afixei este cartaz no escritório:













terça-feira, 13 de dezembro de 2016

O que fazer para o almoço?

O palácio onde mora a Princesa e o Fiel Escudeiro fica num bairro tradicional chinês. Prédios mais pequenos, muito incenso a arder à porta de todas as casas, novelas chinesas a tocar bem alto nas televisões.. e vizinhos chineses. Somos os únicos ocidentais do prédio.

Se muitos dos vizinhos nem sequem cumprimentam quando se cruzam connosco, a nossa vizinha do lado adora conversar connosco quando nos vê. Ela farta-se de falar.. é expressiva e bem disposta. O problema é que fala connosco em chinês!

Obviamente não percebemos nada do que ela diz, à excepção da palavra "almoço". Sempre que me vê diz "Lunch!", enquanto gesticula com a mão exemplificando o acto de comer. Manhã, tarde, noite.. sempre a mesma palavra. Lunch! Dita com muito autoridade. Como quem nos conhece bem e sabe que os nossos dias giram à volta da vontade de saciar a fome.

Respondo-lhe sempre com simpatia que sim.. vou sempre almoçar! :)

Estes encontros são sempre curtos, por isso não há tempo para silêncios incómodos ou monólogos em chinês demasiado longos.

Acontece que hoje ela me encontrou na rua. Enquanto eu esperava pelo autocarro para.. lá está... ir a casa almoçar. E o tempo de espera e o percurso ainda demoram uns 15 minutos.

15 minutos preenchidos com apenas uma palavra. Lunch! Bem alto e muito gesticulado.

É tão simpática a nossa vizinha. Tenho muita vontade de a convidar para almoçar connosco.



sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Transportes Públicos V 2.0

Não se deixem enganar pelas más línguas e por alguma coisa que oiçam sobre Macau. O nível de evolução do território, redes viárias, transportes públicos e serviços, vai muito além do que nós, vulgares seres ocidentalizados, estamos habituados.

Aqui fica ilustrado o quanto "o povo manda desenrascar".

Sair. Entrar. Sentar. Arejar. Tudo vale a bordo dos transportes públicos de Macau.





domingo, 13 de novembro de 2016

O alfabeto chinês

A medicina tradicional chinesa defende que engolir a própria saliva não é saudável, portanto cuspir na rua ainda é muito comum. Não é bonito de se ver (ou ouvir), e ainda não consigo ficar indiferente quanto isso acontece na minha frente. Mas pelo menos não acontece dentro de portas no meu escritório.

A medicina tradicional chinesa também defende que arrotar é sinal de saúde ou de satisfação, se acontecer no final de uma refeição.

Posto isto, das duas uma: ou trabalho com com a pessoa mais saudável de Macau, ou com a pessoa mais satisfeita.

Quase que juro que ela hoje estava a tentar dizer o alfabeto inteiro em arrotos. Ela! Uma miúda que parece pesar 40kg mas produz mais ar que um balão de ar quente!

A cultura chinesa recomenda eliminar tudo o que faz mal ao corpo e os chineses respeitam os sinais que o corpo dá. Seja qualquer a hora em que venham os sinais. Venha de onde vier esse sinal.

Esses corpos que se segurem!



sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Solteiros à solta em Macau

O Dia dos Solteiros é promovido como uma celebração do orgulho em ser solteiro, e a data de 11 de Novembro (11/11) foi escolhida porque aparentemente o número 1 é associado a um indivíduo que está sozinho, e assim juntam logo 4!!

1 = Solteiro
11 = Casal
11+11= Dois indivíduos que se encontram no meio de um grupo

Começou como uma brincadeira na universidade de Nanging, mas desde 2009 que a marca "duplo onze" foi registada pelo Jack Ma, fundador do Alibaba, e movimenta fortunas.

Passou a ser a celebração do consumismo desenfreado, de promoções, de recordes em vendas, de loucura. Passou a ser a Black Friday, versão chinesa.

A ideia inicial tem graça: já que não tens despesas com mais ninguém, gasta o teu dinheiro a comprar coisas para ti!

Macau não foi excepção à loucura!

Por distração fiz o caminho de volta ao escritório pelo meio do centro histórico, e a cada encontrão que levava, a cada grito que ouvia dos megafones dentro das lojas, a cada saco de compras que sentia nas minhas pernas, era relembrada da data!

Por curiosidade fui ver os valores de 2016, para descobrir que ultrapassaram os valores de 2015 (USD14.3 mil milhões):

- em 7 minutos: 1,5 mil milhões USD
- em 24 horas: 17,79 mil milhões USD

Só a Alibaba consegue fazer mais dinheiro num dia, dos que a Black Friday e a Cyber Monday juntas!

E porque a Princesa Ervilha já está devidamente  integrada, passou a noite a bater perna no shopping a manhã seguinte a fazer comprar no Tao Bao! Qualquer desculpa é boa para passar umas horinhas a ver montras :)



quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Quem diria..

.. que já passaram 5 anos de aventuras em Macau.

Assinalamos hoje a data em que o Fiel Escudeiro se fez à estrada até ao longínquo reino de Macau.

Celebramos as batalhas, dragões e ogres que se atravessam no caminho. Celebramos as vitórias, os banquetes opíparos e as incursões aos reinos vizinhos.

Exaltamos a partilha, a proximidade, as saudades.









quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Petiscos pós parto

Eu nunca digo que não a comida.. e provo (quase) tudo o que me é oferecido. Depois de 3 anos a morar na China já me apareceram coisas muito estranhas à frente. Ovos pretos (podres), fungos, abalones, ouriços que parecem cobras, músculos de rãs, tartarugas, cobras, escorpiões.. são aqueles que vêm imediatamente à ideia, e que não fui capaz de comer. Mas doces de taro, gelatina de chá, os famosos bolos lunares ou ainda os bolos do ano novo chinês são algumas coisas que já fazem parte da nossa dieta :)

Depois há as orelhas, tripas, línguas e outras miudezas que já estamos habituados a ver em Portugal, e que aqui são um belo espectáculo de ver penduradas no talho. Ou mesmo na tasca à beira da estrada!

Mas hoje foi-me apresentado um prato de pezinhos de porco, cozidos em vinagre preto doce, gengibre e ovos.

A apresentação é no mínimo assustadora, com uma cor preta vibrante que até torna difícil de distinguir uns ingredientes dos outros.

Só tive coragem de provar os ovos, cujo sabor a gengibre é tão forte, que mesmo passadas uma horas ainda sinto. Mas os meus colegas atiraram-se à caixa como tamanha satisfação que dava gosto ver. Não dava tanto gosto de ouvir.

Esta é uma tradição de Cantão. Após o parto as mulheres (ou as suas mães e sogras), fazem estes petiscos para oferecer à família e amigos como forma de anunciar o nascimento. Aparentemente é um prato muito saudável e serve  para reestabelecer forças depois do parto. As desgraçadas não podem sair de casa durante um mês e ainda por cima têm de comer estas coisas!!

Segundo me explicaram tive muita sorte em poder experimentar, porque este é o tipo de iguaria que não há em restaurantes, só mesmo as famílias é que fazem para poder partilhar.

Sorte! Dizem elas!

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Galo Híbrido


Se alguma vez me faltar trabalho ao Oriente vou anunciar os meus serviços como "falante" de inglês. Passo a explicar. Há muitos jovens estudantes que vêm para Macau com a ideia de prosseguir os seus estudos com a mais valia de de ficarem fluentes do inglês. As promessas de um curso ministrado em inglês e de hordas de estrangeiros a trabalhar em Macau alimentam essa ideia.

Uma vez em Macau as coisas mudam. Os professores muitas vezes por displicência, outras por pura preguiça usam as suas línguas maternas para as aulas e os grupos de alunos tendem a convivem apenas com os seus pares, nunca convivendo com os famosos estrangeiros.

Dito isto, é sempre com uma exagerada alegria que todas as estagiárias, novas secretárias e ajudantes  part-time mais desempoeiradas querem conversar comigo... só para praticar o seu inglês. Sem qualquer pudor em verbalizar que é apenas para isso que querem conversa. Se possível em frente das amigas para exibir a colega "exótica". Eu!

Numa dessas sessões enquanto fazia tempo à espera de uma reunião a nova secretária veio numa investida para o seu treino diário. E escolheu um tema para dissertar que nunca achei que me fosse fazer tanto incómodo.



Olhava para um Galo de Barcelos como quem vê a Guernica pela primeira vez dizendo que Macau tinha um símbolo maravilhoso.

"Macau? Mas tu não sabes que isso não é símbolo de Macau? Isso é Português, pá!"

E não é que a pequena insolente me responde e contesta a resposta?!
Ah e tal.. eu que não me ponha com ideias porque lhe disseram que aquilo era o símbolo de Macau!

Só me faltou por a mão ao peito enqto lhe explicava que aquele é um símbolo português.. que aliás se chama "Galo de Barcelos". E onde é Barcelos? Pois!

Confesso que enquanto ela discorria em elogios ao bendito galo dei um pulinho à Wikipedia para recuperar a memória da lenda do dito. Mas ainda assim, ciente da minha história.

O fraco conhecimento da história de Macau e da presença dos portugueses nesta terra faz com que Galos, Pasteis de Nata e Calçadas Portuguesas.. e mesmo sanitas, sejam vendidos como souvenirs locais.

E podia nem me ter incomodado, mas confesso que depois do choque inicial e de me ter rido da resposta da coleguinha, fiquei a pensar quanto tempo mais vamos conseguir manter a nossa herança no Oriente. Quanto tempo mais ainda vai fazer sentido ficarmos por estes lados numa versão híbrida da China e Portugal, e ainda por cima falando inglês.

Não admira que esteja em modo emigrante thinking em duas languages at the same tempo!






Ano Novo, posts novos

A Princesa está há mais de dois meses sem escrever no blog? Já chega! :)