quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Diário de Bordo - Myanmar (parte 2)


4º dia
Dia 24 Dez - Kyaiktiyo (Golden Rock)

No dia de consoada fomos fazer uma peregrinação à Golden Rock, outro dos locais de culto para os budistas. Diz a lenda que um cabelo do Buda faz equilibrar uma pedra no alto de um penhasco desafiando a gravidade. Todos os guias dizem que quem não viu a Golden Rock não esteve no Myanmar.
Por isso, às 6h da manhã, desta vez sem o nosso guia, estávamos por nossa conta, prontos para uma viagem de 45 minutos num autocarro de caixa aberta montanha acima. Só estes autocarros têm autorização para circular. Éramos os únicos ocidentais e claramente não sabíamos o que nos esperava. E o que nos esperava era povo... muito povo do Myanmar.
Nos meses desde Novembro a Março, hordas de peregrinos viajam até à Golden Rock, fazem piqueniques, dormem no santuário, cantam, rezam, fazem oferendas e colam folhas de ouro na Golden Rock. Apesar de toda a confusão, a visão da pedra e de todo o culto à sua volta é muito impressionante.










Mas foi o regresso à base da montanha que marcou esta viagem. Não conseguirei nunca, de forma realista, contar o que foi viajar num autocarro de carga que parecia uma montanha russa, numa prova de resistência aos travões (vento frio na cara incluído). A aventura começou com a nossa tentativa de conseguir um lugar nos autocarros para regressar. Não há filas nem qualquer tipo de organização. Há umas escadas altas para servir de apoio à subida, os autocarros vão estacionando e à medida que ficam cheios, iniciam a descida. Centenas de pessoas a tentar conseguir lugar nem usam as escadas, basicamente escalam o autocarro ainda em movimento, como podem, para garantir lugar. O nosso grupo desenvolveu uma estratégia de ataque e cada um de nós praticamente voou para  tentar reservar lugares. Até os locais estavam impressionados com a nossa desenvoltura.




Regressámos com sucesso e fizemo-nos à estrada em direcção a Taungoo, uma pequena cidade que serve como ponto de paragem para viajantes e camionistas. A meio caminho, almoço num restaurante local, bem simples, mas que primava pela limpeza. Foi a única vez que alguém insistiu em lavar as minhas mãos. Uma rapariga que lavou e limpou as minhas mãos e agradeceu no final. Estranho, muito estranho.



O nosso jantar de consoada foi já em Taungoo, noutro restaurante de beira de estrada, entre turistas e camionistas.

5º dia
Dia 25 Dez - Naypyitaw até Kalaw

Fizemos uma paragem na actual capital do Myanmar, Naypyitaw. A descrição que lemos no guia Lonely Planet deixou-nos muito curiosos porque descrevia a cidade como bizarra. Corresponde em absoluto à realidade. A capital foi transferida de Yangon para o centro do país, num local onde não havia nada, nem sequer acessos. Tudo foi construído de raiz em proporções impressionantes. Centenas de hotéis são fantasma porque não há hospedes. Estradas com 10 faixas em cada direcção estão vazias. Estádios, centros de congressos, pavilhões multi-usos, tudo foi assegurado. Mas não há pessoas. Os ministérios foram transferidos para aqui, mas as embaixadas recusaram o convite para a mudança, ficando em Yangon.
Os militares são uma presença constante, e fomos inclusive mandados parar numa operação stop. Mas assim que os militares perceberam que éramos turistas mandaram-nos seguir. Têm instruções para deixar turistas em paz para evitar quaisquer comentários ou confrontos.



Sem grande atracções para ver, seguimos caminho em direcção a Kalaw. Escolhemos um restaurante de comida tradicional para o nosso jantar de Natal. E como Kalaw é uma cidade de grande altitude, tivemos direito a frio na noite de Natal. Para eu me sentir mais em casa :)

6º dia
Dia 26 Dez - Kalaw

Depois de um Imodium para começar o dia e evitar surpresas, avançamos para o desafio de 18 km de caminhada. Um dia de trecking para conhecer as tribos locais que ainda moram no meio da montanha. O guia para esta caminhada prometeu pássaros únicos, cobras venenosas. crocodilos e mais fauna local. Mas no final do dia só abelhas, mosquitos e borboletas.
As tribos vivem exclusivamente da agricultura (produção de chá, café, laranjas ou lentilhas). Fomos praticamente "atacados" pelas crianças que pediam canetas enquanto tentavam vender artesanato local. Se forem ao Myanmar não se esqueçam de levar um abastecimento de canetas e lápis. Vão fazer estas crianças muito felizes.







Apesar de pobres, sem água canalizada ou electricidade, as pessoas estão habituadas a receber turistas, foram muito simpáticas e adoraram posar para as fotografias. Também percebemos logo que a grande atracção é verem as fotos que lhes tiramos.

Se as nossas barrigas sobreviveram ao almoço no topo da montanha, sobrevivem a tudo. Sem água canalizada, lavamos as mãos com água de um pequeno reservatório cheio de pequeninas larvas. Ficamos de olho nesse reservatório e percebemos que os copos e pratos são também lavados com essa água. E melhor ainda foi perceber que a comida também era lavada naquela água. Avançamos com confiança para a salada de abacate e tomate, noodles confeccionados pelo guia e laranjas como sobremesa. Sobrevivemos. Fizemos o percurso de regresso à vila. E nunca os nossos pés pesaram tanto.

Hoje começou o nosso concurso para ver quanto tempo conseguimos aguentar esperar pelo jantar. O restaurante Nepales de Kalaw (único local onde havia internet decente), fez-nos esperar uma hora pelo jantar! Pelo que nos explicaram, nunca há nada previamente preparado para  não haver desperdícios no final. Só preparam aquilo que é pedido pelos clientes.

(cont.)

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