sábado, 31 de janeiro de 2015

Diário de Bordo, Myanmar (parte 4)

9º dia
Dia 29 Dez - Mt. Popa, a caminho de Bagan

Ainda a recuperar do dia extraordinário no lago, hoje fazemo-nos à estrada em direcção a Bagan, outra das grandes atracções do país.
Mas antes de chegarmos ao nosso destino fizemos diversas paragens. Uma das vantagens de visitar o país com um motorista local experiente é poder aproveitar as sugestões dele, ou parar sempre que queremos, nem que seja para tirar fotos. E claro as explicações e traduções dele são preciosas.

A primeira paragem do dia foi num convento à saída da cidade. No Myanmar a religião é muito importante, e há monges por todo o lado. Pobres, ricos. Magros, gordos. Novos, velhos. Há de tudo. 

O guia explicou-nos que qualquer homem pode entrar para o convento, contando que cumpra as regras. E também pode sair de lá a qualquer altura.
Não sabemos com detalhes todas as regras, mas ficámos com a informação fundamental. Todos os monges saem do convento duas vezes por dia. Durante a manhã saem para pedir arroz, e durante a tarde saem para pedir caril. São as duas únicas alturas do dia que eles comem. A grande maioria do do tempo é passado a estudar a língua, chamada de "Pali". E claro, mulheres não são permitidas. Os mantos/roupas são todas castanhas escuras (com umas partes interiores amarelas).

Quando parámos no convento eles estavam nas suas horas de estudo. Pareceu-nos ser a parte do estudo em que eles decoram os texto. 

Apesar de ao longo da viagem termos visto atitudes menos budistas, com um monge a atirar pedras a um cão, e outros a exibir sinais exteriores de riqueza, neste local a probreza era evidente. Todos dormem na mesma sala. Digo sala porque não há colchões ou lençóis. Apenas as esteiras no chão. As casas de banho vimos ao longe (muito ao longe), mas não prometiam comodidades.







A segunda paragem do dia foi um mero acaso, e também relacionada com religião. Tivemos a sorte de assistir à cerimónia de entrada dos novatos para o convento. À semelhança do que acontece em Portugal, as famílias celebram a "entrega" dos novatos. Neste caso, com uma procissão.

As meninas (e senhoras) estavam pintadas e vestiam as melhores roupas. Oferecem flores, água, cobertores (made in China) e arroz. E cantam ao longo da aldeia para assinalar o acto.

Primeiro vão as raparigas, depois as mulheres mais velhas, depois os rapazes e homens mais velhos e depois os novatos. Vestidos com umas roupinhas azuis acetinadas. No final vem a família. E mesmo a acabar a procissão, vinha uma carrinha com os cantores, as colunas e os megafones! Uma festa!








E para terminar o dia a Princesa foi testada num dos seus piores medos, os macacos. Sim, odeio símios. Macacos de toda a espécie e feitio.

Pois acontece que no Mt. Popa a grande atracação são os macacos. Nunca hei-de perceber como é possível, mas é verdade. E o percurso são centenas de degraus que temos de subir (e descer), no meio de macacos e sujidade de macaco. DESCALÇOS! As partes cobertas das escadas chegam a ser as mais assustadoras, porque a bicharada sobe para os toldos e sobre as nossas cabeças a cacofonia é impressionante.

A vista é muito bonita. É um facto, mas eu teria ficado contente por ter visto a vista... ao longe!

Ao longo das escadas há vários pedintes cuja frase que usam para nos convencer à esmola é "Vou limpar a sujidade do chão, só para tu passares". Ainda pensei contratar o senhor para ir lavando todo o percurso até ao topo, mas depois vi o pano que ele ia usar e preferi arriscar subir desviando-me da porcaria.



Final do dia, chegados a Bagan fomos para a cama cedinho porque amanhã é dia de acordar cedo para ver nascer o sol! :)


10º dia
Dia 30 Dez - Bagan

O nosso guia nem quis acreditar quando lhe dissemos que queríamos ver o nascer do sol e o pôr do sol no mesmo dia. Na verdade nós também não queríamos acreditar. Principalmente a Princesa, que demora muito tempo a acordar.

Mas a grande atracção de Bagan são 30km quadrados de uma planície de templos, e a melhor visão é do topo de um dos mais altos templos. E se esta viagem é para ser memorável, temos mais é que aproveitar.

Por isso às 4h da manhã estávamos a acordar e às 5h já estávamos a escalar um templo com boa visibilidade para ver o nascer do sol. Ainda de noite, apenas com a luz dos telemóveis, 4 doidos subiam as escadas íngremes achando que iam ser os primeiros, que ia ser difícil perceber o melhor local para esperar, e que iam estar sossegados a comer bolachas enquanto vinha a luz.

Engano! A essa hora já estavam dezenas de fotógrafos a postos com as suas super câmaras, apetrechados de tripés, lentes especiais e outros acessórios profissionais.

A parte boa foi que rapidamente percebemos que estávamos no local certo, e ainda havia lugar para nós para esperar sentados e confortáveis. Foi só sentar e esperar. E naquilo que diz respeito à princesa: sentar e resmungar! Muito cedo para Princesas.

A parte má é que aquele local rapidamente se foi transformando numa feira.

Mas nada que vários anos na China não valham para nos safar de abusos, tentativas de ganhar espaço. E foi com alguma piada que vimos os europeus a serem completamente ultrapassados pelos asiáticos. Atrás de nós estava um casal que chegou pouco depois de nós, já não conseguiu lugar sentado e esperou cerca de 2h de pé para ver o nascer do sol. Quando duas senhoras chinesas chegaram, em pleno nascer do sol, colocaram-se à frente deles, tapando a vista. Os europeus tentaram explicar que era uma falta de respeito, que elas estavam a tapar a vista de pessoas que estavam lá desde muito cedo, e que elas tinham de se desviar. A resposta foi "Então vocês deviam ter sido mais espertos e escolher um local onde ninguém se pudesse colocar à vossa frente. Para quem chegou tão cedo devia ter escolhido outro local". E ficaram lá as duas, a tirar fotos, fazer selfies, sem qualquer consideração pelo facto de estarem a estragar o "momento" do casal. Quando se fartaram, foram embora. O casal ficou incrédulo. Mas nada de surpreendente para quem mora na China.

Nós estávamos sentados a ocupar um bocadinho mais de espaço do que o necessário para evitar vizinhos. E a Princesa com mau humor matinal afugenta qualquer um. Mesmo chineses. Nós tivemos sorte e ficamos ao lado de um grupo de chineses de Hong Kong, que até nos tiraram fotos para levar de recordação.
Os nossos amigos também ficaram sentados ao lado de um grupo de chineses de Hong Kong, mas que sofriam de flatulência.

Tropelias à parte, foi uma manhã maravilhosa. Ver o pôr do sol foi lindo. Com um bocadinho de nuvens, mas de uma beleza impressionante. E a cereja no topo deste bolo foi quando os balões de ar quente levantaram voo e começámos a ver a movimentação deles em direcção aos templos.

A Princesa e o Fiel Escudeiro encheram os telemóveis de fotos (e pensaram que era uma vergonha não ter uma máquina em condições para aproveitar naquele momento).

Foi um dos momentos favoritos desta viagem!







Depois do nascer do sol passámos o dia a ver templos. E mais templos. Templos atrás de templos. Templos. Muitos templos.

É um local maravilhoso, que por falta de cuidado na preservação da herança cultural, tem ficado com muitas das suas relíquias estragadas.













Por esta altura o nosso guia já tinha percebido que estava a transportar um grupo pouco esquisito em termos de comida e que nos podia sugerir alguns locais pouco visitados por turistas. O nosso pensamento foi sempre: "É bom? Há muita quantidade? Então vamos a isso!"

O sítio onde fomos almoçar também ficou muito presente nas nossas memórias. Ficava num descampado (não preciso dizer que electricidade e água canalizada eram impossíveis). Mesas e bancos baixinhos, mesmo ao nível da poeira do chão. E dos vários cães esfomeados que circulavam por lá.

O "esquema" era chegar, sentar, esperar que elas trouxessem TODOS os pratos disponíveis para a mesa. Comemos o que nos apeteceu mas também deixámos na mesa o que não vamos comer. No final as senhoras olham para a mesa, vêem o que sobrou e cobram os pratos vazios. Escusado será dizer que as tacinhas que viajam para as mesas e ficam lá durante a refeição, viajam de volta para as panelas.

A especialidade é galinha frita.. que esgotou! E o resto das coisas também não eram más. Mas nessa altura e já depois de termos limpo os nossos pratinhos, olhamos com mais atenção para reparar no local onde lavam as loiças, na forma como servem o arroz, no local onde estava a "cozinha", na máquina que fazia os sumos... Estávamos certos que o desarranjo intestinal ia acontecer!!

Mas mais uma vez, o estágio na China parece estar a deixar-nos melhor preparados para estas aventuras.





Para distrair da overdose de templos, depois de almoço fomos conhecer a indústria local: os lacados.
Bastante diferentes dos lacados tradicionais japoneses, os móveis e acessórios do Myanmar têm uma técnica diferente. A tinta é aplicada à mão, e as 45 camadas de tinta que se colocam em cima das ripinhas de madeira são todas aperfeiçoadas manualmente. Muito caro, muito bonito e uma surpresa local.






O dia terminou com mais uma escalada para o topo de um templo onde fosse possível assistir ao pôr do sol. Mais uma vez, chegámos cedo e marcámos lugar. Mais uma vez o local estava apinhado de fotógrafos. Mas infelizmente as nuvens grossas no horizonte não deixaram ver nada.

Vantagem: vamos dormir cedinho que hoje o dia começou de madrugada, e amanhã há mais!!







quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Diário de Bordo - Myanmar (parte 3, a overdose de fotos)

7º dia
Dia 27 Dez - Pindaya

Ainda cheios de frio, deixamos Kalaw em direcção a Pindaya para ver uma gruta cheia de Budas. Foi aliás o frio o responsável pelo momentinho do dia.
Desde o primeiro dia que temos andado descalços em todos os templos, independentemente da limpeza dos pavimentos (com cães e macacos por todo o lado, podem imaginar como está aquele "chão sagrado"). E as meias não são permitidas. Mas estava tanto frio quando saímos do hotel, que eu vinha vestida com saia comprida e collants sem me lembrar que ia ser necessário descalçar-me à porta do tempo. Como é que uma princesa "descalça" uns collants?!

Sem qualquer casa de banho ou mesmo biombo, fui colocada pelo vigilante do templo numa espécie de redoma de vidro para mudar de roupa. Redoma de vidro transparente ou ar livre teria sido a mesma coisa!
Foi um belo show, à porta do tempo, uma ocidental a despir collants enquanto passam os outros visitantes. E onde estava o Fiel Escudeiro, os amigos e o guia?? A rir às gargalhadas enquanto tiram fotos.

Foi também hoje que descobri a grande paixão do Fiel Escudeiro por Budas. E isso aconteceu numa gruta com mais de 8.000 estátuas de Budas. Foi muito difícil arrancá-lo da gruta... só quando lhe falamos do almoço é que conseguimos seguir caminho.

Esta gruta foi sendo escavada para irem cabendo mais Budas e cada uma das estátuas é uma doação feita por alguém.












O conselho do nosso guia foi: não se dispersem, nem se distraiam a tirar fotos porque é muito fácil uma pessoa perder-se por aqui. Todo o lado para onde olhamos o cenário é o mesmo, e há estátuas por todo o lado. 




Depois de almoço seguimos para In Lake, em direcção à Red Montain Estate para uma prova de vinhos enquanto assistimos ao pôr-do-sol. Grandes vidas... perdão, vistas! :)







E ao jantar houve mais um concorrente para o tempo de espera pelo jantar. Foi a primeira vez que apostámos em comida ocidental, com uma pizza de forno, mas foi preciso esperar 1h15 pela comida. Já não voltamos a usar a expressão "paciência de chinês". Vamos passar a usar a expressão "paciência de budista"!


8º dia
Dia 28 Dez - Inle Lake

Acordamos cedinho para um passeio de barco num dos locais mais aguardados da viagem: Inle Lake. Foi um dia maravilho num barquinho pequenino que nos levou a todo o lado. O lago é enorme, com cerca de 116km quadrados, e é uma visão maravilhosa estar lá no meio, rodeados por montanhas.

Assistimos à pesca com técnica tradicional, com os pescadores equilibrados de forma surpreendente em cima dos barquinhos, com umas redes em forma de funil. As casas estão todas em estacas, e neste local já vimos muito mais estrangeiros. Há vários resorts ao longo do lago e é muito comum ver todos os barquinhos com os turistas. No local onde fomos fazer compras até o pagamento com cartão de crédito era permitido, quando nem sequer em hotéis por onde passámos isso não era possível.

Tivemos hipótese de compras de souvenirs, pratas, sedas, cigarros feitos de anis. Todas as "indústrias" são flutuantes.


























Claro que esta sobrecarga no ecossistema já está a provocar preocupações ambientais. Sem tratamento adequado das águas há uma grande probabilidade de ser perder este local nos próximos anos.

Ainda sem termos lido sobre todas estas preocupações atacámos peixes do lago grelhados, empoleirados num restaurante sobre estacas. A visita à casa de banho nestes locais tem a sua graça, porque tudo escapa para a água mesmo abaixo dos nossos pés.

As hortas também são flutuantes. Não se consegue perceber como, mas eles conseguem produzir legumes diversos em hortas flutuantes. Pequenos canais pelo meio de feijões, tomates, abóboras deixam qualquer um surpreendido.







Outro dos locais de culto que vimos nesta viagem foi o mosteiro onde estão as cinco estátuas de Buda, que neste momento são 5 bolas, tal foi a quantidade de folhas de ouro que lhes colocaram em cima. Nem imagino a quantidade de folhas necessários para transformar uma estátua em bola.





E o ponto alto do dia, e se calhar da viagem, foi o pôr-do-sol no meio do lado. Experiência de luz e cor maravilhosa.







Ainda antes do jantar decidimos fazer uma massagem para relaxar. E nunca mais repetimos uma experiência que anuncie "massagem familiar". Entramos para uma local comum onde a mãe, marido, filhos e sobrinhos nos massajam na sala de estar. A mim calhou-me a mãe, gorda e enorme. Ao Fiel Escudeiro o sobrinho subnutrido. Uma das crianças da família estava a dormir num cantinho da sala. Uma experiência surreal.

Depois da massagem ficámos prontos para mais uma hora de espera pelo jantar :)


(cont.)